Bairros mineiros: você já viu um?

Ah, sábado!

Dia de acordar mais tarde, pensar na programação do final de semana e fazer as coisas com um pouco mais de calma. Hoje, enquanto ia para um compromisso na parte da manhã, fui observando a cidade e pensando no quanto ela é incrível. BH, para mim, é sempre surpreendente e eu nunca me acostumo. 

Do nada, quando olhei para um prédio na região central, lembrei de uma crônica do Felipe Braga Netto, autor que já mencionei por aqui, e resolvi compartilhar com vocês. Ela faz parte do livro As Coisas Simpáticas da Vida e fala sobre os nossos bairros de um jeito leve e muito especial.

Veja:

  Bairros mineiros: você já viu um?

   “A desproporção é a saudade da simetria”

   Murilo Mendes

 

Os bairros em Belo Horizonte são entidades metafísicas. Até hoje não encontrei um mineiro que soubesse, com razoável clareza, definir onde começam e terminam os bairros. E a razão é simples: eles não começam nem terminam. Eles não existem!

Sim, amigos, a revelação é cruel, mas verdadeira. Os bairros, essas prosaicas e familiares figuras, que batem ponto na maioria das cidades, não dão o ar da graça em Belo Horizonte. Sim, ruas nós temos. Avenidas também. Temos aliás todo o resto de trivialidades. Mas bairros não. Ou melhor, minto. Temos, para disfarçar, os nomes deles: Funcionários, Serra, São Lucas, Buritis. Mas tente ser concreto: essa rua aqui, sim, essa em que nós estamos, fica em que bairro? Aí, concidadão, pode puxar uma cadeira, porque a divagação vai começar, sem hora prevista para findar. O solícito mineiro vai dizer assim: bem, depende…

Como depende?, protesto. Onde já se viu bairro depender de alguma coisa? Quero saber que bairro é esse. Ele, sempre paciente, responderá: Pode ser Serra, pode ser São Lucas… Sim, amigos, os bairros mineiros são entes metafísicos. Não tente compreendê-los. Eu já me conformei. Recebo, em meu modesto lar, algumas continhas. Pois bem. No espaço endereçado aos bairros, a variedade é divertida: Funcionários, Savassi, Centro… Acho que depende do humor do carteiro. Se pelo menos essa variedade confundisse os credores, fazendo-os, quem sabe, esquecer de mim. Mas não…

As ruas, no entanto, são britanicamente precisas. Alagoas é Alagoas, Pernambuco é Pernambuco. Dizer que você mora numa delas, porém, não é dizer muito, pois elas cortam a cidade, longas e infindas. Aliás, já que os mineiros optaram, muito simpaticamente, por chamar suas ruas pelos nomes dos Estados irmãos, bem que podiam chamar os bairros por região: Nordeste, Centro Oeste, Sul…

Eu moraria, orgulhosamente, no Nordeste. Sim, na rua Alagoas, esquina com Av. Brasil – digo, sempre que me perguntam, mal disfarçando o orgulho. Aliás, essa seria uma forma, não sei se eficaz, de atender ao desejo secretos de tantos mineiros de passar mais tempo no Nordeste. Bastaria mudar o nome dos bairros. Se não quiserem mudar, não faz mal. Eu acho mesmo que bairro não faz falta. Se quisessem tirar as montanhas, eu protestaria. Se quisessem extinguir a boemia mineira, me rebelaria. Se quisessem exportar as mineiras, aí não, é demais, eu me mudaria, revoltado e perigoso. Mas os bairros…

Também essa história de saber onde começam e onde acabam as coisas não é lá grande coisa. Ou é uma grande bobagem. Eu não sei bem onde começo e até onde vou. Meu coração, esse sujeito abusado e licencioso, tem limites incertos e às vezes caminha contra as minhas ordens. A gente não manda na gente, ou pelo menos demora a aprender a mandar.

Então, amada cidade, deixe seus bairros se misturarem, se confundirem, sendo vários e um só. Fronteira definida só tem serventia em campo de concentração. Entre nós essa confusão divertida traduz um pouco daquilo que chamamos viver – que também não separa, ou nem sempre separa, dor e alegria, tanto que choramos por ambas as razões.

Um sujeito me pergunta sobre as fronteiras de Minas. Sorrio, a pretexto de me desculpar. Não sei, não sei. Essas coisas assim, rispidamente objetivas, nunca foram meu forte. Sorrio, mas penso em outra coisa. Ora, meu senhor, as fronteiras de Minas não acabam! Aonde for levo comigo esse jeito de alma. Como decretou o poeta: a cidade está no homem quase como a árvore voa no pássaro que a deixa.

Se fosse para dizer a verdade (não tive coragem), diria:

– Minas faz fronteira com meu coração.

Felipe Braga Netto

Eu adorei e concordo demais: Minas não tem fronteiras e está comigo onde eu estiver.

Você gostou? Como se sente em relação ao Estado?

Para ler outras crônicas dele é só clicar aqui e comprar o livro na loja online da livraria D’Plácido. Se preferir, pode passar na loja: Avenida Brasil, 1843, Savassi.

Ah, ele também tem Instagram e os posts são ótimos, sempre mostrando um pouco do que ele escreve. É @felipebraganettoescritor.

Beijos e ótimo final de semana,

Isabela!

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1 comentário

  • Olá Isabela, que legal que você voltou a abordar BH e em especial seus bairros. Trabalhei cerca de 20 anos próximo ao Colégio Arnaldo e durante todo o período havia a discussão: Funcionários X Santa Efigênia… Dúvida insignificante! A beleza das linhas arquitetônicas do Colégio deixam qualquer atrito pequeno.
    – Sou um morador de BH à moda antiga: que caminha pela Cidade,admira seus prédios,curioso pela sua história. O monumento dedicado ao Rômulo Paes (esquina da Rua da Bahia com a Av. Álvares Cabral) é um resumo fiel das subidas e descidas cidade afora… saudades passadas, varridas pelo gosto amargo do presente.
    – Uma BH sem “BARRE(O)iras” – bairros – é sonho longe, mas , CEP e logradouros são códigos que atestam o fim de uma era. O CEP 30.000 de outros tempos só os bons vizinhos de nossas ruas/bairros talvez lembrem. Um belo horizonte deve ser buscado numa caminhada por “ruas” tranquilas…. Bora tentar!

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